Florianópolis, 19/04/2024
Publicado em 28/02/2011
Apesar da preconceituosa repulsa inicial, tão logo estreou, em julho de 2010, Ti Ti Ti triunfou, conquistando crítica e público. Sem meios termos, abriu as cortinas com ar de novelão. Tramas bem orquestradas e desenvolvidas, no melhor estilo folhetim, desenhando uma nova roupagem para antigos personagens que povoam o inconsciente de nossas predileções e fantasias. Isso sem falar na impecável direção de Jorge Fernando e na fotografia, figurinos e seleção de atores. Até a luz de cada cena parece ser milimetricamente calculada para adequar-se ao horário das sete, uma transição entre o movimento do dia e a preparação para a paz noturna. Mínimos detalhes para máximos resultados: uma matemática quase infalível.
Maria Adelaide Amaral, reconhecida por bons trabalhos na TV, revelou-se a grande dama da teledramaturgia de seu tempo. Com maestria, realocou as personagens, refez suas trajetórias, modernizou o discurso e marcou um golaço. Para aqueles que não conheciam as tramas, deixará a marca de uma excelente novela, instigando uma curiosidade histórica pelo trabalho de Cassiano Gabus Mendes. Às gerações que tiveram o prazer o assistir as obras na década de 1980, a autora deixa um sabor de incrível déjà vu, costurado com as linhas dos novos tempos. Um trabalho sensacional que consolidou o sucesso, abocanhou uma audiência crescente e chegou a desbancar, pela primeira vez na história recente, duas novelas das nove, o dito “horário nobre”.
Mas o triunfo de Ti Ti Ti passa diretamente pela qualidade de seu elenco. De experientes atores, laureados por veias dramáticas, cômicas ou até tragicômicas, a jovens tão belos quanto talentosos, a novela das sete produziu um feito notável: distribui equitativamente o protagonismo das tramas. Em tempos de amplo domínio de Narciso, que acha feio tudo que não é espelho, uma novela que faz de seus coadjuvantes os grandes protagonistas é digna não apenas de nota enciclopédica, mas de forte reverência ao conjunto da obra. Ou melhor, das obras.
Se a grande maioria já conhece a versatilidade que fazem de Murilo Benício o melhor ator de sua geração, fomos levados à lona pela habilidade de Caio Castro e Ísis Valverde, cuja trama rende um dos assuntos mais comentados da internet brasileira há meses. E se as apostas em nomes que sempre dão certo, como Christiane Torloni e Malu Mader, pareciam opções conservadoras, a ascensão plena e delicada do romance homossexual entre os personagens de André Arteche e Armando Babaioff, emoldurados pelas talentosas Cláudia Raia e Giulia Gam, cria uma “jurisprudência” para a temática na TV e prova que há espaço para todas as tribos nas telenovelas. É apenas uma questão de saber como conduzir as tramas.
Enquanto veteranas como Regina Braga e Nicette Bruno dão ar de plumas em participações especialíssimas, o jovem Rodrigo Lopéz, tal qual um paetê, reluz ao lado de uma Elizangela cada vez melhor. E se as décadas de profissão dão a Mauro Mendonça a dimensão exata de seu personagem, surge uma talentosa Guilhermina Guinle para acertar em cheio na construção de sua atormentada vilã. É exatamente a qualidade na mescla de tecidos tão díspares que faz de Ti Ti Ti um grande e inesquecível sucesso. Ainda assim, na mítica popular, Victor Valentim e Jacques Leclair permanecerão, para sempre, nos domínios de Luís Gustavo e Reginaldo Faria, tão brilhantes quanto insuperáveis nos idos anos de 1980.
Há equívocos em Ti Ti Ti? Há sim. Apesar de poucos, eles existem. O mais cruel deles é o erro de tom na interpretação de Alexandre Borges em seus personagens Jacques Leclair e André Spina. Enquanto André, o ator é perfeito, na medida ideal. Mas quando assume a face de Jacques, Alexandre Borges desequilibra e sobe um tom na interpretação, deixando o costureiro com cara de caricatura mal feita: nem é assertivo, nem tanto faz rir. E pastelão por pastelão, Cláudia Raia é prova inconteste de que é possível ser grandiloquente e teatral sem colocar em risco a comicidade televisiva. A atriz, mais bonita do que nunca, brilha absoluta ao dar vida à sua Jaqueline Maldonado.
No entanto, até as nuances mais desequilibradas de Jacques Leclair acabam fazendo parte do espetáculo. Ti Ti Ti é um folhetim que não tem nenhum compromisso com a realidade, com as pesquisas de opinião ou com o politicamente correto. É apenas uma novela. E, por isso, um retumbante sucesso. Uma lição que deve ser absorvida pela Rede Globo, que tem derrapado feio na escolha das tramas nos últimos cinco anos e vem dando demasiada atenção às pesquisas com uma minoria consultiva ultraconservadora. Na plateia, o público telespectador ainda é o soberano da crítica final. E no cerrar das cortinas, Ti Ti Ti merece todos os aplausos. De pé.
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